24 jun Processo contra membro do Carf deve provar dolo
Os membros do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, órgão que julga contestações de contribuintes contra autuações do Fisco federal, não podem ser responsabilizados civil ou criminalmente por suas decisões, salvo se ficar comprovado dolo ou fraude no exercício da função. A previsão está na Lei 12.833, publicada nesta sexta-feira (21/6) no Diário Oficial da União. A norma garante o sono de julgadores que vinham sendo acionados na Justiça por votos em favor de contribuintes. Recentemente, 59 ações populares foram ajuizadas em Brasília, com o aval do Ministério Público, contra o Carf e seus membros, sob a alegação de que teriam lesado o erário. Do total, 29 já foram derrubadas. Em nenhuma houve condenação.
O texto acrescenta parágrafo único ao artigo 48 da Lei 11.941/2009, que cita como prerrogativa dos conselheiros a necessidade de comprovação de dolo para sofrerem sanções administrativas ou judiciais. A Presidência da República apenas vetou o inciso II do parágrafo, que previa que os julgadores poderiam apreciar a legalidade de atos infralegais do Fisco, mas a previsão já consta do Regimento Interno do órgão.
“A vedação ao inciso II decorre de um equívoco evidente de compreensão do texto pelo governo federal, pois o que os conselheiros do Carf fazem todos os dias é o controle de legalidade dos atos administrativos de lançamento e esse controle de legalidade deve ser exercido em sua plenitude, sem limitações. Assim, se o que motivou o lançamento tributário foi um ato infralegal que contraria uma lei, por óbvio que esse ato vicia o lançamento e os conselheiros deverão julgá-lo nulo, sob pena de não estarem exercendo adequadamente a sua função”, esclarece o tributarista Igor Nascimento de Souza, do escritório Souza, Schneider, Pugliese e Sztokfisz Advogados. “Na prática, o veto não mudará em nada o dia a dia dos julgamentos.”
A norma é a conversão em lei a Medida Provisória 600/2012. Das inclusões no texto original da MP, a previsão sobre o Carf foi a única que resistiu à caneta da Presidência da República. Sete outros artigos foram vetados.
Às vésperas da sanção, conselheiros temiam o veto integral da proposta pelo Executivo. Embora um parecer da Advocacia-Geral da União não tenha apontado inconstitucionalidades no texto, a Receita Federal insistiu que ele feriria o Estatuto do Servidor Público (Lei 8.112/1990), por dar a conselheiros não concursados — por ser um órgão paritário, o Conselho é formado por representantes dos contribuintes, geralmente advogados tributaristas — prerrogativas de servidores. O Carf defendeu, no entanto, que seus membros teriam a proteção apenas no exercício de seu dever como julgadores.
Antes da novidade, especialistas se queixavam que o Regimento Interno do Carf é preciso nas obrigações dos conselheiros, mas não sobre suas prerrogativas. São 33 dispositivos — seis artigos e 27 incisos — sobre os deveres e nenhum que trate dos direitos. O Superior Tribunal de Justiça já reconheceu que o Carf é a última instância administrativa para resolver litígios de matéria tributária. No caso de decisão contrária ao Fisco, a discussão acaba, já que a Fazenda não pode recorrer judicialmente de uma decisão dela própria — o Carf faz parte da estrutura do Ministério da Fazenda.
Para o vice-presidente da Comissão de Assuntos Tributários da seccional fluminense da OAB,Gilberto Fraga, “a aprovação, na parte em que protege os conselheiros no exercício judicante da função, garante o regular funcionamento do processo administrativo brasileiro e fortalece o Estado Democratico de Direito”.
“A decisão foi muito acertada, pois oferece muito mais garantias aos conselheiros para o exercício de sua atividade julgador, evitando-se contratempos como os que ocorreram recentemente”, lembra Igor Nascimento de Souza.
Embora comemore a sanção da lei, a vice-presidente do Carf, Susy Gomes Hoffmann, lembra que ela não poderá ser aplicada no julgamento das ações populares já em andamento na Justiça. No entanto, ela lembra que o Judiciário não aceitou citar pessoalmente os julgadores nas ações, restringindo ao Conselho aquelas que ainda tramitam. “Temos trabalhado para esclarecer a situação aos juízes. As vitórias se devem principalmente ao emprenho do presidente do Carf, Otacílio Cartaxo”, conta Susy.
Para a conselheira Karen Juneidini Dias, julgadora do Carf e sócia do escritório Rivitti Dias Advogados, a lei trouxe “conforto” aos conselheiros, que segundo ela não precisarão temer coações para julgar. A advogada chama de “ataques” ações judiciais que colocaram os conselheiros no polo passivo de cobranças por decisões que anularam autos de infração do Fisco.
“Os tribunais administrativos, e aí se incluem os estaduais e municipais, são o único meio de proteger tanto a Fazenda quanto os contribuintes”, diz Karen. “A Fazenda, porque impede que se leve ao Judiciário discussões em que o Fisco fatalmente irá sucumbir e que o poder público gaste dinheiro com o Judiciário. Para o contribuinte, é a única forma que ele tem de participar da constituição do crédito tributário, ao contestar autuações que, se não passassem por julgamento administrativo, se tornariam certidões de dívida ativa, com presunção de liquidez e certeza.”
Cascata processual
A necessidade de proteger integrantes do Carf surgiu no começo de 2012, após um ex-procurador da Fazenda ajuizar 59 ações populares que contestavam as decisões do Conselho. O argumento central era de que a União foi omissa como arrecadadora, pois empresas em dívida com obrigações tributárias foram absolvidas em julgamentos. Entre elas estão grandes companhias como Petrobras, Bradesco, Itaú, Light, Gerdau, Usiminas, Positivo Informática, Telemar e Marcopolo. A União figurava em todos como litisconsorte nas ações.
A avalanche teve vários alvos, mas somente uma autora: Fernanda Soratto Uliano Rangel. Ela é representada pelo marido, Renato Chagas Rangel, apontado por conselheiros do Carf como o real interessado. Ex-procurador da Fazenda Nacional, ele foi demitido e depois condenado em dois processos por improbidade administrativa.
Das 59 ações, 29 já foram derrubadas. Os três principais entendimentos usados pelos juízes para não prosseguir com os casos foram a revisão do acórdão contestado via recurso, falta de interesse processual e ausência de ilicitude de ato administrativo, pré-requisito para ingressar com uma Ação Popular. Para retirar os conselheiros do polo passivo, a justificativa foi de falta de provas de dolo ou fraude.
Na 16ª Vara Federal da Seção Judiciária do Distrito Federal, a juíza Cristiane Pederzolli Rentzsch negou a inicial e extinguiu um desses processos sem resolução de mérito. A empresa envolvida na ação, porém, resolveu ingressar com Embargos Declaratórios. O objetivo é condenar Fernanda Rangel por litigância de má-fé e por “alterar a verdade dos fatos”.
A companhia recorrente alega que a aplicação de multa por uso indevido do Judiciário é o único instrumento possível para “reprimir práticas desleais e atuação desconexa com valores éticos que norteiam o Direito”. Segundo a embargante, a autora das ações questionou decisões sem status de definitividade, baseada em argumentos infundados, em clara tentativa de manipular o julgador. No mesmo recurso, a empresa também pede o sigilo jurisdicional dos autos.
Fonte: Conjur