Legalidade, inclusão e rateio da taxa de utilização do Siscomex na base de cálculo do ICMS.

Legalidade, inclusão e rateio da taxa de utilização do Siscomex na base de cálculo do ICMS.

A inclusão da taxa de utilização do Siscomex na base de cálculo do ICMS passa, preliminarmente, por rememorarmos alguns conceitos do direito tributário e do próprio ICMS.

Como é cediço, o Brasil é uma República Federativa e, em razão de não haver uma regulamentação única para o ICMS, cada um dos 26 Estados e o Distrito Federal têm sua própria legislação, o que dá origem a 27 regulamentações, com diversidade de entendimentos, alíquotas e obrigações acessórias.

Visando a dar uniformidade às regras tributárias, em um País que possui dimensões continentais, o artigo 146, inciso III, da Constituição Federal, determina que cabe à lei complementar estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre a definição dos tributos e suas espécies, o fato gerador, a base de cálculo e os contribuintes.

A Lei Complementar nº 87/96, atendendo ao disposto na CF, estabelece normas gerais sobre o ICMS, aplicáveis a todos os Estados e ao Distrito Federal. Em seu artigo 13, encontramos a definição da base de cálculo na importação de bens e mercadorias:

“Art. 13. A base de cálculo do imposto é:

[…]

V – na hipótese do inciso IX do art. 12, a soma das seguintes parcelas:

a) o valor da mercadoria ou bem constante dos documentos de importação, observado o disposto no art. 14;

b) imposto de importação;

c) imposto sobre produtos industrializados;

d) imposto sobre operações de câmbio;

e) quaisquer outros impostos, taxas, contribuições e despesas aduaneiras;”

Resta claro que os valores referentes às taxas devem compor a base de cálculo do ICMS.

No entanto, o que pode ser considerado taxa?

Conceito de Taxa

Como conceituado no artigo 145, inciso II, da CF e no artigo 77 do Código Tributário Nacional, taxa é tributo que tem como fato gerador o exercício regular do poder de polícia, ou a utilização, efetiva ou potencial, de serviço público específico e divisível, prestado ao contribuinte.

Enquanto o imposto é uma espécie de tributo cujo fato gerador não está vinculado a nenhuma atividade estatal específica relativa ao contribuinte, a taxa, pelo contrário, tem, obrigatoriamente, seu fato gerador vinculado a uma atividade estatal específica relativa ao contribuinte. Por isso que se costuma distinguir o imposto da taxa verificando a existência ou não de uma contraprestação estatal.

Nos termos do dispositivo constitucional, a atividade estatal específica relativa ao contribuinte, à qual se vincula a instituição de uma taxa, pode ser:

(a) o exercício regular do poder de polícia; ou

(b) a prestação de serviços ou colocação destes à disposição dos contribuintes.

Poder de polícia está assim definido pelo artigo 78 do CTN:

“Art. 78. Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interêsse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de intêresse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.”

Segundo autorizados doutrinadores, poder de polícia pode ser conceituado como a faculdade discricionária da Administração Pública de restringir e condicionar o exercício dos direitos individuais com o objetivo de assegurar o bem-estar geral.

Serviço público não está definido no CTN, mas alguns administrativistas definem como toda e qualquer atividade prestacional realizada pelo Estado, ou por quem fizer suas vezes, para satisfazer, de modo concreto e de forma direta, necessidades coletivas.

O Siscomex

No que diz respeito ao sistema, em 28 de setembro de 1992, foi publicado o Decreto nº 660, que instituiu o Sistema Integrado de Comércio Exterior (Siscomex).

O Siscomex é um sistema informatizado responsável por integrar as atividades de registro, acompanhamento e controle da saída e do ingresso de mercadorias no País.

O Siscomex permite que o exportador e o importador troquem informações com os órgãos responsáveis pela autorização e fiscalização, além de acompanhar tempestivamente o ingresso e a saída de mercadorias no País. Cabendo aos órgãos de governo intervenientes no comércio exterior, em diversos níveis de acesso, quando necessário, via sistema, controlar e/ou interferir no processamento das operações.

Reza, efetivamente, o artigo 2 do Decreto:

“Art. 2º O SISCOMEX é o instrumento administrativo que integra as atividades de registro, acompanhamento e controle das operações de comércio exterior, mediante fluxo único, computadorizado, de informações.”

O Siscomex módulo importação entrou efetivamente em vigor a partir de janeiro de 1997, no entanto, nos primeiros anos de funcionamento, não havia a cobrança de taxa.

A Taxa de Utilização do Siscomex

A Taxa de Utilização do Siscomex foi criada pela Lei nº 9.716/98, e passou a ser cobrada a partir de 1º de janeiro de 1999, nos seguintes termos:

“Art. 3º Fica instituída a Taxa de Utilização do Sistema Integrado de Comércio Exterior – SISCOMEX, administrada pela Secretaria da Receita Federal do Ministério da Fazenda.

§ 1º A taxa a que se refere este artigo será devida no Registro da Declaração de Importação, à razão de:

I – R$ 30,00 (trinta reais) por Declaração de Importação;

II – R$ 10,00 (dez reais) para cada adição de mercadorias à Declaração de Importação, observado limite fixado pela Secretaria da Receita Federal.

§ 2º Os valores de que trata o parágrafo anterior poderão ser reajustados, anualmente, mediante ato do Ministro de Estado da Fazenda, conforme a variação dos custos de operação e dos investimentos no SISCOMEX.

§ 3º Aplicam-se à cobrança da taxa de que trata este artigo as normas referentes ao Imposto de Importação.

§ 4º O produto da arrecadação da taxa a que se refere este artigo fica vinculado ao Fundo Especial de Desenvolvimento e Aperfeiçoamento das Atividades de Fiscalização – FUNDAF, instituído pelo art. 6º do Decreto-Lei nº 1.437, de 17 de dezembro de 1975.

§ 5º O disposto neste artigo aplica-se em relação às importações registradas a partir de 1º de janeiro de 1999.”

Posteriormente, foram reajustados seus valores por meio da Portaria MF nº 257/11:

“Art. 1º Reajustar a Taxa de Utilização do Sistema Integrado de Comércio Exterior (SISCOMEX), devida no Registro da Declaração de Importação (DI), de que trata o parágrafo 1º do artigo 3º da Lei nº 9.716, de 1998, nos seguintes valores:

I – R$ 185,00 (cento e oitenta e cinco reais) por DI;

II – R$ 29,50 (vinte e nove reais e cinquenta centavos) para cada adição de mercadorias à DI, observados os limites fixados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB).”

Os limites, a que se referem a Portaria, foram determinados pela Instrução Normativa SRFB nº 1.158/11, in verbis:

“Art. 13. A Taxa de Utilização do Siscomex será devida no ato do registro da DI à razão de:

I – R$ 185,00 (cento e oitenta e cinco reais) por DI;

II – R$ 29,50 (vinte e nove reais e cinquenta centavos) para cada adição de mercadoria à DI, observados os seguintes limites:

a) até a 2ª adição – R$ 29,50;

b) da 3ª à 5ª – R$ 23,60;

c) da 6ª à 10ª – R$ 17,70;

d) da 11ª à 20ª – R$ 11,80;

e) da 21ª à 50ª – R$ 5,90; e

f) a partir da 51ª – R$ 2,95.”

Da Inconstitucionalidade da Taxa

Alguns importadores se insurgiram judicialmente alegando a inconstitucionalidade da taxa Siscomex, sustentando que ela não se enquadraria no conceito de taxa estabelecido pela CF e no CTN, por ser criada pela “utilização” de um sistema de informática desenvolvido pelo Poder Público, consistindo uma taxa de uso de bem público, sendo que a CF não permitiria a criação de taxas pelo “uso” de coisa pública.

Alegam que o motivo determinante do pagamento da referida taxa não seria qualquer atividade estatal direcionada ao contribuinte, bem como o fato do produto de sua arrecadação estar vinculado ao Fundo de Desenvolvimento e Aperfeiçoamento das Atividades de Fiscalização – FUNDAF demonstraria que o valor arrecadado não teria nenhuma pertinência com o suposto custo de eventual atividade estatal relativa ao controle das operações de comércio exterior.

Sublinhando que o tema ainda não foi suficientemente discutido pela doutrina e que se apresenta polêmico, entendemos que a fiscalização do comércio exterior é atividade que se subsume à perfeição ao disposto no art. 78, caput, do CTN, que define o poder de polícia.

E ainda, se utilizarmos a teoria da regra-matriz de incidência tributária, as taxas devem ter hipótese de incidência, sujeito ativo, sujeito passivo, base de cálculo e alíquota, ao analisarmos a taxa de utilização do Siscomex, encontraremos:

  • critério material: utilizar o Siscomex;

  • critério temporal: registro da declaração de importação;

  • critério espacial (local): ambiente virtual do Siscomex;

  • critério pessoal: União (sujeito ativo) e importador (sujeito passivo); e

  • critério quantitativo: base de cálculo – a declaração de importação e suas adições e alíquota específica – valor em reais para cada declaração ou adição.

Conhecemos e respeitamos manifestações no sentido contrário, mas a nosso ver não se trata de taxa de “uso de bem público”, mas taxa decorrente do exercício do poder de polícia. Ou seja, ao utilizar o Siscomex, o importador está provocando a realização do exercício do poder de polícia por parte de diversos órgãos estatais, em especial da Secretaria da Receita Federal do Brasil, da Secretaria de Comércio Exterior e do Banco Central do Brasil. A natureza jurídica específica do tributo é determinada pelo fato gerador da respectiva obrigação, sendo irrelevantes para qualificá-la a denominação e demais características formais adotadas pela lei.

Observa-se, ainda, que o fato de o produto de sua arrecadação estar vinculado ao Fundo de Desenvolvimento e Aperfeiçoamento das Atividades de Fiscalização (Fundaf), denota o que foi exposto: o valor arrecadado tem conexão direta com o custo da atividade estatal relativa ao controle das operações de comércio exterior.

Portanto, concluímos inexistir inconstitucionalidade na instituição da Taxa de Utilização do Siscomex.

Um segundo aspecto, que gostaríamos de pontuar, mas sem aprofundar a discussão é o fato de ter ocorrido suposta majoração da Taxa Siscomex, sem justificado motivo, por meio da Portaria MF nº 257/11. Alegam alguns importadores que esse aumento feriu o princípio da legalidade. Argumenta-se que não houve reajuste, conforme previsto na Lei nº 9.716/98, mas majoração da taxa em mais de 500%. Entendem que a referida lei seria inconstitucional, pois o aspecto quantitativo do tributo teria de ser definido exclusivamente pela lei, e não por norma infralegal. Defendem, ainda, que a Portaria MF nº 257/11 constitui ato administrativo e, portanto, deveria ter motivação e fundamentação, com os critérios e parâmetros previstos em lei, acerca do aumento da taxa.

Embora já firmamos um entendimento sobre essa controvérsia, a questão ainda não foi pacificada, existindo jurisprudência favorável e contrária ao aumento, razão pela qual recomendamos aos contribuintes muita cautela quanto a essa discussão.

Veja, naquilo que interessa à questão aqui discutida, sendo ou não inconstitucional o aumento, importa saber que a taxa, salvo melhor juízo, é uma taxa incidente sob o exercício do poder de polícia, como dito, ao utilizar o Siscomex, o importador está provocando a realização do exercício do poder de polícia por parte de diversos órgãos estatais.

Sendo assim, como deve ser feito o rateio dessa taxa caso existam diversos itens na mesma importação?

Como fazer o rateio da Taxa de Utilização do Siscomex

Alguns importadores faziam um rateio simples, dividindo o valor total da taxa pela quantidade de itens que foi importada, outros entendem que o rateio deve ser realizado utilizando-se o valor FOB das mercadorias. No entanto, o Fisco estadual entende que esses critérios estão errados e, dessa forma, pode autuar as empresas que assim procederem.

Para o Estado de São Paulo, o rateio deve ser feito pelo valor CIF das mercadorias. Esse entendimento pode ser encontrado na Resposta dada pela Consultoria Tributária da Secretaria da Fazenda, por meio da Resposta à Consulta nº 574/11:

“7. O § 3º do artigo 3º da Lei 9.716/98 estabelece que: ‘aplicam-se à cobrança da taxa de que trata este artigo as normas referentes ao Imposto de Importação’. Nesse sentido, ressaltamos que o Decreto-Lei nº 37/1966, que dispõe sobre o Imposto de Importação, estabelece no artigo 2º, inciso II, como base de cálculo desse imposto, nos casos de alíquota ‘ad valorem’, o valor aduaneiro da mercadoria.

8. Segundo o artigo 77 do Decreto Federal nº 6.759/2009 (Regulamento Aduaneiro), integram o valor aduaneiro: (i) o custo de transporte da mercadoria importada até o porto ou o aeroporto alfandegado de descarga ou o ponto de fronteira alfandegado onde devam ser cumpridas as formalidades de entrada no território aduaneiro; (ii) os gastos relativos à carga, à descarga e ao manuseio, associados ao transporte da mercadoria importada, até a chegada aos locais referidos; e (iii) o custo do seguro da mercadoria durante as operações referidas.

9. Ou seja, considerando que a base de cálculo do Imposto de Importação é o valor aduaneiro da mercadoria, que inclui, dentre outras, as despesas com transporte e seguro (valor CIF), é possível concluir que, para eventual rateio da Taxa do SISCOMEX, deverá ser considerado o valor CIF das mercadorias, pois a legislação determina a aplicação das normas relativas ao Imposto de Importação para a cobrança dessa taxa (item 7 da presente resposta).

10. Para fins de cobrança do ICMS, da mesma forma, o rateio da Taxa do SISCOMEX deve ser realizado utilizando-se o valor CIF das mercadorias, estando incorreto o entendimento consignado pela Consulente.”

Diante da total falta de previsão normativa na legislação de ICMS, a Consultoria Tributária paulista encontrou um critério para o rateio, qual seja, o valor CIF das mercadorias.

Vejamos como ficaria em um caso prático de uma Declaração de Importação com 5 adições.

Valor unitário CIF por adição (a):

1ª adição: R$ 7.000,00

2ª adição: R$ 13.000,00

3ª adição: R$ 6.000,00

4ª adição: R$ 14.000,00

5ª adição: R$ 10.000,00

Valor total CIF da DI (b): R$ 50.000,00

Total da Taxa Siscomex (c): R$ 314,80. Sendo: R$ 185,00 por DI, até a 2ª adição – R$ 29,50 e da 3ª à 5ª – R$ 23,60.

Rateio da Taxa Siscomex por adição: (a/b x c)

1ª adição: 7.000/50.000 x 314,80 = R$ 44,07

2ª adição: 13.000/50.000 x 314,80 = R$ 81,85

3ª adição: 6.000/50.000 x 314,80 = R$ 37,78

4ª adição: 14.000/50.000 x 314,80 = R$ 88,14

5ª adição: 10.000/50.000 x 314,80 = R$ 62,96

Esse entendimento tem sido adotado pela maioria das Secretarias da Fazenda dos Estados para fins de cálculo do ICMS e emissão da correspondente Nota Fiscal de entrada.

Caso os contribuintes estejam utilizando um critério diferente para o respectivo rateio, nossa recomendação é que formule uma Consulta Tributária junto à Fazenda Estadual respectiva, para que se defina qual o critério de rateio que deve ser usado, e para os contribuintes que realizem suas operações segundo as regras do Estado de São Paulo, caso não estejam adotando o critério acima, recomenda-se a correção espontânea do cálculo e a condução de uma denúncia espontânea, evitando assim eventuais penalidades.

Autor: Daniel Polydoro – Advogado e consultor jurídico nas áreas de Direito Tributário e Aduaneiro, professor nas Especializações em Comércio Exterior da Unicamp e da FIA/USP, instrutor nos cursos da Aduaneiras há mais de 15 anos. Membro da Comissão de Direito Aduaneiro OAB/SP. Diretor da Polydoro Consulting