11 maio DIREITO DO CONSUMIDOR E INTERNACIONAL PRIVADO. COMPETÊNCIA INTERNACIONAL E RELAÇÃO DE CONSUMO.
A Justiça brasileira é absolutamente incompetente para processar e julgar demanda indenizatória fundada em serviço fornecido de forma viciada por sociedade empresária estrangeira a brasileiro que possuía domicílio no mesmo Estado estrangeiro em que situada a fornecedora, quando o contrato de consumo houver sido celebrado e executado nesse local, ainda que o conhecimento do vício ocorra após o retorno do consumidor ao território nacional. O debate que se põe perpassa necessariamente pela definição do que seja relação de consumo interna ou internacional e por qual o critério diferenciador, nos termos da legislação vigente no momento da propositura da demanda. Cabe registrar que a competência internacional quanto às controvérsias decorrentes de relação de consumo internacional, à luz do CPC/1973, de fato, suscita interpretações doutrinárias por vezes absolutamente opostas. Por um lado, há quem advogue que a hipossuficiência ou vulnerabilidade do consumidor é suficiente para justificar a competência do foro de seu domicílio, aplicando à competência internacional as regras de distribuição de competência interna. Por outro prisma, há visões mais restritivas que entoam a aplicação das regras comuns de competência internacional de acordo com o local em que deva ser prestada a obrigação. Por óbvio, em ambiente comercialmente integrado pela globalização, as relações tendem a se firmar com certa indiferença ao local em que se encontram fornecedores e consumidores, seja pelas facilidades da internet, seja pela mobilidade atual dos meios de transporte e comunicação em geral. Nesse contexto global integrado, já não é suficiente o critério da nacionalidade das partes contratantes, havendo que se considerar peculiaridades na multiplicidade de situações fáticas que circundam a formação das relações jurídicas internacionais. Com efeito, as contratações internacionais compõem-se de diferentes e variados elementos de estraneidade, projetando-se sobre mais de um ordenamento jurídico e causando típicas situações de conflitos de leis e de jurisdições. Entre esses elementos, a doutrina tradicional do Direito Internacional Privado menciona como exemplos típicos a diversidade de domicílio e nacionalidade das partes, o local de assinatura dos contratos e o de cumprimento das obrigações, que por vezes nem coincide com o domicílio de nenhuma das partes. Isso porque, nessas contratações transfronteiriças, ambos os contratantes nutrem intuito manifesto de extrapolarem os limites dos territórios de seus respectivos Estados nacionais. Noutros termos, os contratos internacionais traduzem a intenção de importação e exportação de serviços e produtos, envolvendo negócios jurídicos que, de fato, sobrepõem-se a territórios nacionais e por vezes têm, em algum dos polos, o consumidor internacional. Nesse cenário, parece mesmo não haver espaço para debate acerca da vulnerabilidade dos consumidores em qualquer local do globo. Essa vulnerabilidade, desde 1985, é reconhecida inclusive pela Assembleia Geral da ONU (Resolução n. 39/248), na qual se instituiu diretrizes para os Estados promoverem a proteção aos consumidores no âmbito das legislações internas. Albergando esse mesmo paradigma, tanto nossa Constituição Federal como o Código de Defesa do Consumidor vieram garantir o acesso dos consumidores ao Poder Judiciário e tutelar seus interesses difusos e individuais, amparando de forma abrangente os consumidores, ainda que estrangeiros, e deixando bastante claro não ser o critério das nacionalidades das partes aquele que distinguirá entre uma relação jurídica estritamente nacional ou internacional. Ressalte-se que o STJ reconhece a legitimação dos estrangeiros a propor demanda perante a Justiça brasileira, sujeitando-os às regras processuais nacionais, inclusive quanto à exigência de caução de custas e honorários, quando a relação jurídica posta em juízo se firmou no Brasil (REsp 1.479.051-RJ, Terceira Turma, DJe 5/6/2015). Assim, distanciando-se o deferimento de tutela do critério da nacionalidade do consumidor, conclui-se que se seguirá as regras nacionais de distribuição da competência brasileira, no que tange a consumidores, nacionais ou estrangeiros, envolvidos em relações consumeristas firmadas no território nacional. Isso porque, nessas hipóteses, não há propriamente uma relação contratual internacional, visto que as partes não nutriam o intuito de importação ou exportação, mas consumiram em um território nacional, inserindo-se em um único mercado consumidor local. Não há no espírito do consumidor nem do fornecedor o intuito de firmar uma relação que extrapole as fronteiras nacionais; a distinção de nacionalidades ou de domicílios torna-se um mero elemento acidental, e não um elemento de estraneidade da relação posta. Por paralelismo, ou reciprocidade, do mesmo modo, deve-se reconhecer aos Estados estrangeiros sua competência para tutelar as relações firmadas e cumpridas nos estritos limites de seus territórios, ainda que envolvendo consumidor de nacionalidade brasileira. Desse modo, ainda que a nacionalidade do consumidor seja brasileira e para o Brasil tenha transferido novamente seu domicílio, não há que se cogitar sequer de uma relação de consumo internacional propriamente dita – aliás, nem sequer se constata a distinção de domicílios entre as partes então contratantes. No caso, verifica-se que o serviço foi ofertado e aceito nos estritos limites territoriais estrangeiros, sem qualquer intenção, por parte de qualquer dos envolvidos, de criar uma relação para além de fronteiras nacionais. Também se deu em território estrangeiro o integral cumprimento do contrato, ainda que de forma eventualmente viciada. O fato de o vício somente ter se tornado conhecido após o retorno do brasileiro ao território nacional é elemento absolutamente estranho à definição do foro internacional competente. Assim, tratando-se de fato ocorrido no exterior e não previsto nas hipóteses excepcionais de alargamento da jurisdição nacional, concorrente ou exclusiva (arts. 88 e 89 do CPC/1973), não é competente o foro brasileiro para o conhecimento e processamento da demanda. Claro que esse entendimento não é estanque, podendo-se admitir o alargamento do art. 88 do CPC/1973 para proteger consumidores brasileiros naqueles casos em que há típica contratação internacional, ou seja, em que pessoa domiciliada no Brasil – independentemente de sua nacionalidade – contrata serviço ofertado por empresa estrangeira, exemplo típico do mercado virtual ou mesmo contratações físicas em que há o real intuito de aproximação entre fornecedores e consumidores para além das fronteiras nacionais, com importação/exportação de bens ou serviços. Nesse sentido: AgRg no Ag 1.157.672-PR, Quarta Turma, DJe 26/5/2010; CC 29.220-RJ, Segunda Seção, DJ 23/10/2000. Essa situação se distingue sobremaneira do caso em que nenhum dos contratantes, seja consumidor, seja fornecedor, buscou uma contratação internacional, uma exportação de serviço. Aliás, ambos estavam na fronteira de seus domicílios, caracterizando uma relação nacional, embora de nacionalidade estrangeira. REsp 1.571.616-MT, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 5/4/2016, DJe 11/4/2016.