A guerra fiscal vai continuar

A guerra fiscal vai continuar

A guerra dos portos pode continuar por mais oito meses, e até com maior intensidade, porque o Senado fez um serviço incompleto ao aprovar a Resolução 72, destinada a neutralizar o incentivo fiscal a importações concedido por alguns Estados. A resolução só entrará em vigor em 1.º de janeiro e nesse prazo a indústria brasileira ainda ficará sujeita à concorrência desleal propiciada por aquele estímulo. O diretor-superintendente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit), Fernando Pimentel, já chamou a atenção das autoridades para o risco de um surto de importações.

A chamada guerra dos portos é uma forma aberrante de competição fiscal entre Estados. Durante décadas consistiu na oferta de benefícios, por vários governos de áreas menos desenvolvidas, para atrair investimentos e criar um parque industrial. Esse procedimento foi proibido pela Lei Complementar n.º 24, de 1975. Por essa lei, só seriam regulares os incentivos aprovados pelo Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), formado por representantes de todos os Estados. Seria necessária aprovação unânime.

A restrição nunca foi integralmente respeitada. Multiplicaram-se as violações e o jogo ilegal prosseguiu mesmo depois da condenação de certos incentivos pelo Supremo Tribunal Federal (STF). O Estado perdedor aceitava a determinação, mas adotava em seguida um dispositivo parecido com aquele proibido pela Justiça.

A guerra dos portos acrescentou uma novidade especialmente perversa à competição fiscal. Estados passaram a oferecer vantagens para importações. O ganho ocorreria na venda do produto para outros Estados. Nas operações interestaduais o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) é dividido entre os Estados de origem e os de destino. Os Estados do Sul e do Sudeste, por exemplo, recolhem 12%. Sobram 6% para serem recolhidos no destino. O truque, no caso da guerra dos portos, consiste em conceder à empresa importadora um crédito presumido sobre o imposto.

Se esse crédito for de 75%, a empresa só pagará 3% (um quarto de 12%) ao Estado de origem. Será possível, portanto, comercializar o bem estrangeiro em condições muito desfavoráveis ao produtor nacional. Essa política estabelece uma concorrência desleal, prejudica fortemente a indústria instalada no Brasil e dificulta a criação e até mesmo a manutenção de empregos.

É uma forma de favorecer a produção estrangeira e de promover a exportação de empregos. Muito pior que a guerra fiscal tradicionalmente praticada entre Estados, a guerra dos portos favorece a desindustrialização do País em troca de benefícios limitados e ilegais para alguns Estados. Há outras maneiras muito mais sérias, respeitáveis e eficientes de promover o desenvolvimento de qualquer Estado ou região.

Ao unificar em 4% a alíquota do ICMS cobrado nas operações interestaduais com produtos importados, a Resolução 72 neutraliza a vantagem oferecida pelos Estados promotores da guerra dos portos. A medida preserva, no entanto, as normas previstas em leis sobre mercadorias sem similar nacional e também sobre processos produtivos básicos.

Além de conceder um prazo muito longo para a eliminação da guerra dos portos, a Resolução 72 deixa intocadas as velhas formas de guerra fiscal. Para extinguir as formas tradicionais de competição tributária entre Estados, seria preciso, no mínimo, alterar amplamente a forma de distribuição do imposto nas operações interestaduais. Isso imporia custos importantes às unidades mais industrializadas e o assunto só seria resolvido mediante muita negociação.

Mas a Resolução 72, como várias outras normas brasileiras, é, acima de tudo, uma redundância, porque essencialmente proíbe uma prática ilegal. No Brasil, leis são elaboradas para forçar o cumprimento de leis já existentes. No caso, as normas anteriores são a Lei Complementar n.º 24 e a Constituição Federal. Há poucos dias o ministro Gilmar Mendes propôs a edição, pelo STF, de uma súmula vinculante para liquidar de vez a guerra fiscal e restabelecer o respeito ao Confaz. É mais uma boa ideia apresentada com enorme atraso.

Fonte: O Estado de S.Paulo