14 abr Não é possível modular decisão sobre ICMS em importação
Aos vinte dias do mês de março de 2013, o Supremo Tribunal Federal em sua composição plenária e à unanimidade de votos concluiu pelo reconhecimento da “inconstitucionalidade da parte do artigo 7º, inciso I, da Lei 10.865/04 que acresce à base de cálculo da denominada PIS/COFINS-Importação o valor do ICMS incidente no desembaraço aduaneiro e o das próprias contribuições, (…).”[1]
Observamos que a referida declaração de inconstitucionalidade da inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS-Importação e COFINS-Importação e a inclusão destas mesmas contribuições na base de cálculo delas próprias deu-se por ocasião do encerramento do julgamento do recurso extraordinário 559.937, alçado que foi ao Pleno na condição de apelo submetido ao instituto da repercussão geral; instituto esse que, segundo leciona Mendes (2010:319-324)[2] significa um avanço na “condução do processo constitucional capaz de responder à pletora de recursos sobre um mesmo tema constitucional (…).”
Ocorre que, conforme noticia no site da Corte Suprema, e em “nome da União, o representante da Fazenda pleiteou, na tribuna do plenário, a modulação dos efeitos desse julgamento tendo em vista os valores envolvidos na causa, segundo ele, giram em torno de R$ 34 bilhões.”[3]
O pleito para a modulação dos efeitos daquela declaração de inconstitucionalidade não foi analisado de pronto pelos ministros do Supremo Tribunal Federal, uma vez que eventual modulação se verificará após avaliação criteriosa de dados concretos sobre os valores; sendo que tal pleito será examinado quando do julgamento do recurso de embargos de declaração oposto pela Procuradoria da Fazenda Nacional, concluso que seguem aqueles declaratórios ao ministro relator Dias Toffoli.
Não obstante não desconhecermos o fato de que a limitação de efeitos — via modulação — é uma propriedade característica do controle de constitucionalidade, afirmamos que na hipótese concreta: declaração de inconstitucionalidade da inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS/COFINS-Importação e a inclusão destas mesmas contribuições na base de cálculo delas próprias, o reclame dessa modulação de efeitos para tal decisão é de toda incabível na espécie, pois maiores que os efeitos modulares pretendidos são os princípios da segurança jurídica, da irretroatividade, da proteção, da confiança e da boa-fé.
Em linha com o acima sustentado e em face da necessidade de observação aos princípios citados, temos ainda de considerar, por relevante, que o acolhimento dos efeitos modulares pretendidos pela Fazenda Nacional poderá acarretar na ineficácia da própria declaração de inconstitucionalidade decidida, pois que a Embargante participou ativamente na aprovação da Medida Provisória 615/13 e em sua consequente conversão na Lei 12.865/13, frisamos, legislação esta que alterou a redação do declarado inconstitucional artigo 7º, I, da Lei 10.865/04 e foi publicada em 10 de outubro de 2013.
Ora, da data da sessão de julgamento ocorrida em 20 de março de 2013, somada à data da publicação do acórdão verificada em 17 de outubro de 2013, tudo em confronto com as legislações acima mencionadas e suas efetivas edições, temos que a concessão de possíveis efeitos ‘ex nunc’ aos declaratórios opostos limitarão os efeitos daquela declaração de inconstitucionalidade em pouco mais de sete meses.
A jurisprudência daquele Supremo Tribunal Federal em matéria de ordem tributária, e quando reclamada a afastar a modulação de efeitos pleiteada, consignou que haveria de ser observada a “excepcionalidade da situação”[4], isso somado à possibilidade de ocorrência de insegurança jurídica e suas “consequências terrificantes”[5], como o abalo à “confiança do contribuinte”[6], o que claramente se verifica na situação em exame caso venha a ser supostamente acolhido o inadmissível pleito da Fazenda Nacional pela modulação dos efeitos daquela declaração de inconstitucionalidade apresentada.
Mais ainda, o valor apresentado pela Procuradoria da Fazenda Nacional a sensibilizar e na ordem de aproximadamente “R$ 34 bilhões” por si só demonstra a densidade jurídica do debate cerrado naquele recurso julgado sobre a égide do instituto da repercussão geral e, ao contrário do sustentado pelos procuradores federais, a inconsistência do pleito pela modulação dos efeitos reside no fato de que aquela ordem numérica apresentada demonstra em quão gravosa aos contribuintes foi a exigência de um tributo posteriormente declarado manifestamente inconstitucional pela Corte Suprema.
Assim, caso acolhida a equivocada pretensão de modulação de efeitos à declaração de inconstitucionalidade da inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS/COFINS-Importação e a inclusão destas mesmas contribuições na base de cálculo delas próprias, poderá a Corte Suprema criar preocupante precedente em favor da Fazenda Nacional e em detrimento dos contribuintes; sendo que a estes somente restará a insegurança jurídica na condução de seus negócios.
Nesse diapasão vale citarmos DERZI (2009-589-609)[7], que com lucidez cristalina nos ensina o dever de observar e aplicar o que é “digno de proteção em seu conteúdo, a saber: (a) a continuidade da ordem jurídica, associada ao princípio da segurança jurídica, fruto do Estado de Direito, em que a confiabilidade do ordenamento jurídico e a previsibilidade das intervenções do Estado conduzem à proteção da confiança; (b) a proteção da continuidade, do ponto de vista material, em que o raciocínio se vincula, em sequência, especificamente, à proteção da propriedade e do patrimônio pelo Direito Constitucional, e a outros direitos e garantias fundamentais; (c) a fidelidade ao sistema e à justiça, que conduzem ao princípio da proteção da confiança, desenvolvida por seu efeito garantidor da igualdade, em especial no direito ao planejamento; (d) a proteção da disposição concreta ou do investimento, como circunstância decisiva no Direito privado, como o componente subjetivo do “valor da segurança jurídica” segundo CANARIS, converte-se no Direito público em mera prática da confiança como indicador, que deve evidenciar uma relação causal entre a confiança e a decisão tomada pelo cidadão, em face dos atos e omissões do Estado. A disposição ou investimento não é um elemento essencial, mas um indicador da existência de confiança, digna de proteção.”
Proteção da confiança e segurança jurídica ao contribuinte aqui manifestada no sentido de que à Corte Suprema cabe a rejeição àqueles embargos de declaração manejados com o escopo de dar inadmissível modulação de efeitos a decisão que acertadamente culminou na declaração de inconstitucionalidade da inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS-Importação e COFINS-Importação.
Por oportuno, observamos que o acolhimento do recurso embargos de declaração oposto pela Fazenda Nacional deva ser auferido pela necessidade processual e regimental de haver no julgado combatido suposta omissão, contradição e obscuridade a fim de que o mesmo prospere, o que não nos parece ser o caso, uma vez que o pleito de suposta observação pela Corte Suprema de questionável modulação de efeitos é sim flagrante inovação processual constitucional somente agora trazida à baila. Mais ainda, não há nos embargos opostos qualquer demonstração cabal de como se chega àquele mencionado potencial impacto financeiro aos cofres da União na ordem de “R$ 34 bilhões.”
Concluir de forma diversa iria de encontro a posicionamento daquele Supremo Tribunal Federal e da lavra do saudoso Ministro Aliomar Baleeiro no sentido de que “(…) a recorrente pretende locupletamento indébito, com jactura da recorrida – o que é repugnante ao Direito em todos os tempos e sob todos os céus.” (RE 52.376/GB)[8].
[1] Recurso Extraordinário 559.937 Rio Grande do Sul, voto-vista Ministro Dias Toffoli, designado relator para o acórdão
[2] Tratado de direito constitucional, v. 1 / coordenadores Ives Gandra da Silva Martins, Gilmar Ferreira Mendes, Carlos Valder do Nascimento. – São Paulo : Saraiva, 2010
[3] http://www.stf.jus.br/portal/cms/verJulgamentoDetalhe.asp?idConteudo 234070, acesso em 01/04/2014
[4] voto da Ministra Cármen Lúcia, RE 377.457
[5] voto do Ministro Menezes Direito, ‘in memorium’, RE 377.457
[6] voto do Ministro Carlos Britto, RE 377.457
[7] Modificações da jurisprudência : proteção da confiança, boa-fé objetiva e irretroatividade como limitações constitucionais ao poder judicial de tributar / Misabel Abreu Machado Derzi. São Paulo : Noeses, 2009
[8] Memória jurisprudencial : Ministro Aliomar Baleeiro / AMARAL JÚNIOR, José Levi Mello do. Brasília : Supremo Tribunal Federal, 2006, p. 193
Dalton Cesar Cordeiro de Miranda é consultor no escritório Trench, Rossi e Watanabe Advogados, pós-graduado em Administração Pública pela EBAP/FGV.
Revista Consultor Jurídico